A IGREJA E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

01/09/2022

Como demonstram as mais recentes pesquisas do Prof. Ítalo Santirocchi (2021), a Igreja católica, por intermédio do seu episcopado e do clero em geral, contribuiu ativa e significativamente para a independência do Brasil de Portugal, em 1822. Ademais, os ministros da Igreja, bispos e presbíteros trabalharam intensamente para a "formação do Estado Imperial brasileiro" e, em graus variados, compartilharam muitos dos ideais liberais que marcaram nossa independência, em oposição aos ideais políticos do Antigo Regime. Isso porque, nas palavras de Thales de Azevedo (1978, p. 122-123): "O novo regime, a nova ordem, a nova estrutura governativa e política instauraram-se sob a inspiração de um confuso amálgama de doutrinas e teorias de que partilhavam não poucos clérigos". Muitos deles não só partilharam teorias políticas comuns, mas também foram artífices de movimentos de ação política.

Quando as cortes de Lisboa se reuniram, em 1820, para exigir que Dom João VI retornasse a Portugal, entre os 89 deputados que o Brasil havia enviado como representantes do reino, 26 eram membros do clero, foram eleitos pelas populações de suas províncias de acordo com os procedimentos adotados pelas próprias cortes. O clero também atuou ativamente na Assembleia Constituinte que redigiu a Constituição de 1824: entre os 100 deputados, 22 eram padres. Esses dois exemplos de envolvimento da Igreja com o processo de independência revelam quanto o clero foi responsável - ao lado de outros intelectuais e lideranças sociais - por defender e divulgar os princípios liberais que marcaram não só os movimentos políticos de emancipação, em Portugal e no Brasil, mas também a primeira Carta Constitucional do Brasil independente. Sem renunciar à responsabilidade religiosa, os ministros da Igreja demonstraram compromisso com o regime legal e constitucional, e o fizeram pelas vias políticas ordinárias, tais como a adesão a partidos políticos e o exercício de mandatos eletivos de representação política.

Para entender a contribuição da Igreja Católica para a independência do Brasil, precisamos ter presente que o Estado brasileiro, no século XIX, estava em formação; a partir de 1822, tudo estava por se construir, seja do ponto de vista político, institucional, legislativo ou mesmo burocrático. Dioceses, paróquias, confrarias e conventos formavam, talvez, a mais efetiva rede de organização da população, e por isso tais estruturas foram muito bem aproveitadas para a fundação do Estado constitucional.

O papel das "assembleias paroquiais" foi reproposto pela Constituição de 1824, que designou as paróquias como zonas eleitorais também para a escolha de representantes políticos em âmbitos provincial e nacional. Para o Brasil do século XIX, as igrejas paroquiais, com seus templos e liturgias festivas, eram os principais espaços de sociabilidade da população e forneciam eficazes estruturas de organização cívica; justamente por isso, podiam servir como espaços políticos incontornáveis para o Brasil independente. Os bispos também deram sua contribuição ao processo emancipatório: por exemplo, o bispo do Pará, Dom Romualdo de Souza Coelho (1762-1841), que foi deputado nas cortes de Lisboa, contribuiu para que a província do Pará aceitasse a independência do Brasil, em 1823, depois de alguma resistência. Além disso, os bispos foram peças-chave nas juntas governativas provisórias, muitas das quais - como nas províncias: Pará, Maranhão, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso - presididas por prelados diocesanos (SANTIROCCHI, 2021, p. 1003).

É claro que a atuação do clero nos assuntos de Estado era facilitada pelo regime de padroado civil da Igreja - afinal, os bispos e os padres faziam parte da administração pública e compunham os quadros do funcionalismo do Estado, como servidores de carreira (os párocos, por sinal, eram concursados, gozavam de estabilidade e recebiam salários fixos). Ocorre que, no processo de independência e na organização do regime político constitucional, os clérigos participaram sobretudo por convicção política e, como podemos notar, agiram individualmente, sendo escolhidos como representantes do eleitorado: não foram eleitos porque eram padres, mas porque tinham ideias políticas compatíveis com o sentir de seus eleitores.

Fonte: vidapastoral.com.br