Músicos Solistas
Nós, do "Leitura Feliz", tivemos o prazer de conversar com dois grandes músicos: Paola Picherzky, violonista, nascida na Argentina e integrante do grupo feminino "As Choronas" e Emmanuele Baldini, violinista, nascido na Itália e spalla¹ da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), desde 2005. Eles nos contaram sobre sua formação, trabalho e o sentimento de estar no palco como solista.
Paola Picherzky
A violonista conta que logo que se formou, e ainda não estava no circuito, foi dar aulas e teve muita sorte, porque se apaixonou pela educação. "...fui me aprofundar e estudei muito educação musical. Nesse período, eu também trabalhava com regência coral e, quando nasceu meu primeiro filho, decidi que ia trabalhar só com violão; então comecei a dar aulas de violão coletivo".
Foto: Divulgação/TV Brasil
Ela conta que isso foi se multiplicando e hoje dá aulas em faculdades como a Santa Marcelina, Fundação das Artes e, também no Lar das Crianças da CIP, uma OSC (Organização da Sociedade Civil) que atende 400 crianças no contraturno escolar, 100 delas participando de oficinas semanais de violão. "...eu faço um trabalho com ensino coletivo que abrange todas as idades, desde os pequenos do Lar das Crianças, até os futuros profissionais".
Paola faz doutorado na USP sobre ensino coletivo e conta que todas essas atividades sempre acompanharam a atividade de instrumentista. "Eu comecei a fazer recitais no início da minha carreira tocando com uma flautista. Nós tínhamos um duo flauta e violão de música erudita, tocávamos bastante, fazíamos recitais pela cidade. Então, conhecemos uma cavaquinista que nos convidou para montar um grupo de choro de mulheres. Chamamos uma percussionista e assim nasceu, há 26 anos, "As Choronas".
Foto: Divulgação
Paola explica que o grupo se propõe pesquisar o choro, as obras clássicas, mas também estimula a composição de novos choros. "Nós gostamos de trazer um repertório novo de choro. Hoje somos um grupo feminino de referência. Não criamos o grupo pensando nisso, mas confesso que hoje adoro estar nesse lugar de referência, porque esse é um assunto cada vez mais importante para falarmos. Acabei de ver o resultado de um concurso de composição musical e não tem mulheres, a mostra de música instrumental paulista não tinha nenhum grupo feminino."
Paola conta que nos anos 2000 fez a pesquisa de mestrado sobre um violonista chorão paulista, Armando Neves, gravou um CD de violão solo que gerou um retorno ao trabalho como solista. Tem feito muitos concertos inclusive com orquestras. "...o fato de eu ter um repertório específico e ter os arranjos, fez com que muitas portas fossem abertas, inclusive para tocar com orquestras solando."
Sobre o trabalho como solista, Paola fala que precisa ter muito foco, muita disciplina. Diz também que é superimportante uma boa preparação do repertório e estudo consistente em todas as esferas musicais que envolvem o repertório. "É um trabalho muito solitário, porque você define o seu repertório, você estuda, tudo sozinho e quando vai para um recital, você vai sozinho, sobe no palco sozinho, faz toda a interpretação, tudo sozinho. Você nunca sabe o que vai acontecer, existem muitas possibilidades de acontecimentos que podem tirar sua concentração, desde uma pessoa abrindo a porta no meio da música, até uma pessoa tossindo. É um exercício de concentração, porque na hora você precisa tocar consciente das digitações que está fazendo, da peça, de todos os elementos. Mas também é hora de curtir tudo o que você ficou estudando durante meses, e de compartilhar com as pessoas que estão assistindo. Elas estão ali para assistir e não para julgar, apesar que tem público que julga. Mas isso não é uma preocupação que o solista deve ter. Este é outro exercício também, porque no início da carreira, eu morria de medo de subir ao palco, até me dar conta que eu tinha medo, porque ficava pensando no que as pessoas poderiam achar. Agora, quando você toca com uma orquestra, você está com a orquestra inteira. Aí é diferente, porque você é a peça principal, mas está no palco com vários músicos, sente os sons vindo, tem outras pessoas interagindo com você. É muito bom justamente por essa vida compartilhada que acontece no palco.
Emmanuelle Baldini
Nasceu na Itália em uma família de músicos. Os pais são pianistas e foram professores de conservatório na Itália. Baldini conta que, ainda pequeno, iniciou improvisando no piano da sala de sua casa e, um dia, com seis anos e meio, assistiu a um concerto na televisão de um violinista solando e pediu aos pais um violino. "No Natal daquele ano, recebi de presente um violininho minúsculo, comecei a tocar e nunca mais parei."
Foto: Divulgação
"Minha formação é instrumental. Para pegar o diploma na Itália você tem que fazer dez anos. Ao longo desses dez anos, você tem toda uma série de matérias complementares que te dá uma visão bem ampla das coisas."
Ele não acredita na importância absurda do talento e diz: "É claro que deve ter o mínimo de talento como base, mas eu acredito que seja muito mais importante a questão da disciplina, do foco, da capacidade de concentração, da paixão que nos leva a fazer as coisas. Eu recebi tudo isso dos meus pais e tenho uma dívida de gratidão eterna com eles."
Mais tarde, Baldini ganhou os primeiros concursos e entrou em sua primeira orquestra na Itália. "Sempre gostei de ser um músico que tem os horizontes amplos. Não gosto de fazer uma coisa só. Eu nunca estaria feliz tocando só em orquestra, embora eu tenha o privilégio de tocar na melhor orquestra que temos aqui. Eu preciso ter várias atividades, preciso me sentir um músico completo fazendo várias coisas, tocando música de câmera, ensinando, ajudando projetos sociais de jovens envolvidos com a música, regendo e tocando como solista."
Baldini conta que quando chegou ao Brasil em 2005, já chegou como spallada OSESP, ou seja, em um dos cargos mais cobiçados para um músico violinista, e passou a receber muitos convites para solar com várias orquestras em todo o Brasil. "Foi importantíssima essa atividade como solista, pois viajei o Brasil inteiro, o que me fez conhecer as várias realidades, tão diferentes, dessa ilha feliz que é a OSESP."
Foto: Rodrigo Rosenthal/Veja SP
Quando adolescente, ele adorava ler as entrevistas dos grandes músicos que admirava e percebeu que seus ídolos eram sempre aqueles músicos que tinham outros interesses. "No mundo das artes sempre existiu muito diálogo entre as várias formas de arte: música, literatura, escultura, poesia, dança. Um diálogo contínuo entre essas formas de arte. É só ver quantas composições foram escritas baseadas em livros, poemas. Hoje em dia, a tendência do músico, do instrumentista é se especializar em tocar seu instrumento. Então, o meu modelo, digamos de artista, é aquele que gosta de ler, de ir a exposições e fazer paralelismo entre música e pintura, música e poesia. Eu tentei construir uma vida que fosse coerente com esse meu pensamento e devo dizer que estou discretamente satisfeito onde estou agora, porque toco como spalla em uma orquestra que me permite muitas semanas livres durante o ano para fazer outras coisas. Toco música de câmera, toco como solista com outras orquestras, viajo, rejo, dou muitas aulas. Antes de nascer a minha filha, eu ia, a título voluntário, ajudar alguns projetos sociais em que viajava a cada dois, três meses e ficava quatro, cinco dias dando aulas para uns meninos incríveis, talentosíssimos, maravilhosos que me chamavam de pai Baldini. Isso é impagável! Baldini diz que sempre que viaja como solista com uma orquestra, procura escutar os jovens e pede para organizar um Master Class para conhecer os jovens locais. "Eu adoro trabalhar com jovens, adoro, porque são o futuro e acho que o mínimo que posso fazer com eles é compartilhar um pouco da minha experiência e transmitir algo positivo para eles."
Ao ser indagado sobre o que é um músico solista, fez a seguinte reflexão:
"Às vezes, existe um equívoco sobre a palavra SOLISTA, porque quando o músico está tocando, ele está com uma orquestra e com o regente da orquestra. O solista tem um papel preponderante na execução, mas constantemente dialoga com os outros músicos e com o maestro. É uma voz importante dentro de um contexto muito mais amplo. Por isso, eu gosto de tocar como solista e reger ao mesmo tempo. Fiz isso em dezembro passado, com o concerto de Beethoven para violino solista e orquestra. Gosto disso, porque como solista sou obrigado a dialogar com a orquestra, e como regente tenho também que cuidar da orquestra." Baldini diz que solar e reger ao mesmo tempo é mais difícil, mas é muito mais prazeroso porque sente que está fazendo música junto. "Para mim a música se não tem esse lado de compartilhamento, seja entre os músicos, seja entre os músicos e o público, não faz sentido."
"O nome SOLISTA pode induzir a erros, porque o músico não está sozinho no palco. É curioso que quando tem um recital de violão ou de piano solo, por exemplo, você não o chama de solista, você diz que é um RECITAL DE PIANO. Na verdade, nesse caso, o músico é solista porque está só."
Baldini conta que quando está como solista tem sempre uma mistura de sentimentos, que dependendo do momento vão mais em uma direção ou em outra. "Alguns desses sentimentos são uma enorme felicidade por estar fazendo aquilo que sempre foi o meu sonho. Quando eu era adolescente e escutava as músicas que gravava do rádio, eu pensava que se tivesse dinheiro, pagaria para tocar essas músicas. Um dia, acordei e percebi que estava sendo pago para fazer isso. Nunca me abandonou esse sentimento de privilégio absoluto por estar trabalhando com aquilo que sempre foi a minha paixão. Então, esse sentimento sempre está presente quando estou no palco como solista. Depois, há uma enorme pressão de responsabilidade, uma responsabilidade tríplice: com o compositor que escreveu aquela música, com o público que está escutando e comigo mesmo, porque você tem uma expectativa com você mesmo. Quando a OSESP tocou, a primeira vez, no Royal Albert Hall de Londres, na frente de 6 mil pessoas, a primeira orquestra profissional brasileira a tocar naquele festival que é o mais importante da Europa, eu senti uma pressão muito grande de responsabilidade e um pouco de medo de não conseguir dar conta, e esse é mais um sentimento que vai se adicionando aos outros. Então, dependendo das situações prevalece mais a felicidade, em outro, o medo, mas no final das contas, o que fica mesmo é uma grande sensação de privilégio e de felicidade de estar fazendo aquilo."
1-Spalla é o nome dado ao primeiro-violino de uma orquestra. Fica na primeira estante, à esquerda do maestro. Antes da entrada do maestro, é o último instrumentista a entrar no palco, sendo o responsável pela afinação da orquestra. É também o responsável pela execução de solos e atua como regente substituto, repassando aos outros músicos as determinações do maestro.
Por CAJ